sábado, 19 de maio de 2018

Há muito tempo que não escrevo, mas hoje é um dia especial.
Há quase quinze anos, numa noite clara de verão, os jornais anunciavam um grande evento astronômico e minha pequena família passava por uma grande provação em outro país.
Em busca de trabalho, meu marido conseguiu, pela providência de Deus, um emprego na Suíça. Foi uma oportunidade única e também um tempo de muita provação e aprendizado num mundo pós atentado 11 de setembro. Sentimos na pele a dor de sermos estrangeiros em terra estranha, vistos com desconfiança porque meu marido, aos olhos de muitos, parecia árabe, e crescia a idéia de que os imigrantes roubavam os empregos dos suíços.

Estávamos quase completando o primeiro ano de casados quando chegamos a um país que se fechava para a imigração legal de pessoas provindas de fora da União Européia. Tentamos aprender a lidar com leis, regras escritas e não escritas, lingua, moeda, impostos, comida, aromas, clima... mergulhamos na delicada tentativa de navegar um mapa mental de outra cultura, pisando em ovos o tempo todo, num recíproco mal compreender e ser mal compreendido, vivendo o choque cultural. Em meio a tudo isso Deus nos levou ao encontro de uma pequena igreja batista reformada, fiel e que foi nosso ponto de apoio, oásis e abrigo seguro nos tempos difíceis que estavam por vir. Meses antes de nosso primeiro filho nascer, meu marido perdeu o emprego e, por razões que ninguém entendeu direito, não recebeu o auxílio desemprego. Ficamos como que à deriva; ele ia a várias entrevistas de trabalho, mas a contratação não acontecia porque a Suíça se preparava para entrar no espaço de Schengen, os europeus tinham prioridade. O seguro desemprego estava no limbo burocrático, esperávamos uma resposta do governo e Deus providenciou um advogado "pro bono". Nosso filho nasceu e a resposta sobre o seguro desemprego chegou 5 meses depois. Nesse meio tempo vivemos com a indenização da empresa. Como meu marido ajudava financeiramente algumas pessoas, a Suíça é um país muito caro – os suíços costumavam dizer que são pobres dentro de suas fronteiras e tornam-se automaticamente ricos fora delas –, e ainda precisávamos lidar com o pagamento do parto num sistema de saúde bem diferente, já vivíamos em extrema frugalidade; então não foi problema continuarmos a viver da mesma forma. Os irmãos da igreja queriam nos ajudar financeiramente, mas não queríamos ser-lhes pesados. Meu filho não teve chá de bebê – isso não existia por lá –, usou roupas emprestadas e doadas, uma irmã da igreja me emprestou algumas roupas de grávida, Deus nos ensinou a sermos fiéis no pouco e aprendemos o que é viver o cuidado amoroso dos irmãos, a viver com a certeza em Deus em a meio às incertezas da vida.

Poucos meses antes de retornarmos ao Brasil, no meio do verão, Marte estaria bem próximo à Terra, algo que acontece a cada 15 anos, mas naquele ano o planeta estaria mais próximo do que nos últimos 60 000 anos. Decidimos observar o fenômeno, morávamos no limite da cidade e fomos ao bosque vizinho. Com nosso bebê de três meses no ‘canguru’, saímos em busca de algo que não conseguíamos ver; algumas pessoas tiveram a mesma idéia e esbarrávamos em pequenos grupos que se espalhavam pelos caminhos. O passeio noturno parecia frustrado, assim como nossa aventura na Suíça; sentamo-nos em um banco e oramos. Me lembro de agradecermos a Deus, que tinha permitido que tudo acontecesse, pelos tesouros que a traça e a ferrugem não destroem recebidos naquela pequena igreja, de confiarmos nosso futuro a Deus e agradecermos pelo nosso pequeno filho. Ao pegarmos a estrada que saía do bosque vimos uma grande lua cheia e uma grande estrela, que a princípio confundimos com um avião: era Marte, tudo mais era silêncio. Meu coração aquietou-se.
Voltamos para casa, certos de que acima de qualquer dificuldade ou tribulação está a soberania de Deus e que Ele permitira todas as coisas, apesar da frustração que sentíamos, Ele cuidava de nós. Alguns dias depois recebemos a notícia que meu marido só conseguiria trabalho se a empresa contratante comprovasse que não havia um trabalhador europeu capaz de preencher a vaga, a crise já chegará à Europa e a bolha da telefonia explodira, as portas fecharam.

Voltamos ao Brasil e continuamos a encontrar muitas situações difíceis, lutas, desemprego, desesperanças, doenças, depressões, injustiças, incompreensões e pela graça de Deus tempos de esperança, amigos, desconhecidos que nos ajudaram, família e irmãos da fé. Quinze anos se passaram, em todo o tempo Deus nos tratou, desbastou arestas, nos confrontou com ídolos e pecados guardados zelosamente no fundo d'alma, com medos, e continua a tratar de feridas antigas, quase cicatrizadas, que teimosamente reabrem. Doeu, dói e todas as vezes que Ele tratar doerá, porque envolve pecado, rebeldia, negação, frustração, tristeza, confronto e sofrimento, mas é certo que houve e haverá alívio, cura, salvação, alegria, paz, fé, amor e esperança, tesouros preciosos graciosamente dados e a certeza de um fardo, esvaziado de coisas que nos impedem, mas cheio de histórias, bênçãos, por vezes partilhado com irmãos, marido, filho, um fardo que fica cada vez mais leve para a vida eterna.

Hoje nosso filho completa 15 anos, logo Marte estará mais próximo novamente, pretendo mostrá-lo a ele e contar as bênçãos.

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