Há muito tempo que não escrevo, mas hoje é um dia especial.
Há quase quinze anos, numa noite clara de verão, os jornais anunciavam
um grande evento astronômico e minha pequena família passava por uma
grande provação em outro país.
Em busca de trabalho, meu marido
conseguiu, pela providência de Deus, um emprego na Suíça. Foi uma
oportunidade única e também um tempo de muita provação e aprendizado num
mundo pós atentado 11 de setembro. Sentimos na pele a dor de sermos
estrangeiros em terra estranha, vistos com desconfiança porque meu
marido, aos olhos de muitos, parecia árabe, e crescia a idéia de que os
imigrantes roubavam os empregos dos suíços.
Estávamos quase
completando o primeiro ano de casados quando chegamos a um país que se
fechava para a imigração legal de pessoas provindas de fora da União
Européia. Tentamos aprender a lidar com leis, regras escritas e não
escritas, lingua, moeda, impostos, comida, aromas, clima... mergulhamos
na delicada tentativa de navegar um mapa mental de outra cultura,
pisando em ovos o tempo todo, num recíproco mal compreender e ser mal
compreendido, vivendo o choque cultural. Em meio a tudo isso Deus nos
levou ao encontro de uma pequena igreja batista reformada, fiel e que
foi nosso ponto de apoio, oásis e abrigo seguro nos tempos difíceis que
estavam por vir. Meses antes de nosso primeiro filho nascer, meu marido
perdeu o emprego e, por razões que ninguém entendeu direito, não recebeu
o auxílio desemprego. Ficamos como que à deriva; ele ia a várias
entrevistas de trabalho, mas a contratação não acontecia porque a Suíça
se preparava para entrar no espaço de Schengen, os europeus tinham
prioridade. O seguro desemprego estava no limbo burocrático,
esperávamos uma resposta do governo e Deus providenciou um advogado "pro
bono". Nosso filho nasceu e a resposta sobre o seguro desemprego chegou
5 meses depois. Nesse meio tempo vivemos com a indenização da empresa.
Como meu marido ajudava financeiramente algumas pessoas, a Suíça é um
país muito caro – os suíços costumavam dizer que são pobres dentro de
suas fronteiras e tornam-se automaticamente ricos fora delas –, e ainda
precisávamos lidar com o pagamento do parto num sistema de saúde bem
diferente, já vivíamos em extrema frugalidade; então não foi problema
continuarmos a viver da mesma forma. Os irmãos da igreja queriam nos
ajudar financeiramente, mas não queríamos ser-lhes pesados. Meu filho
não teve chá de bebê – isso não existia por lá –, usou roupas
emprestadas e doadas, uma irmã da igreja me emprestou algumas roupas de
grávida, Deus nos ensinou a sermos fiéis no pouco e aprendemos o que é
viver o cuidado amoroso dos irmãos, a viver com a certeza em Deus em a
meio às incertezas da vida.
Poucos meses antes de retornarmos ao
Brasil, no meio do verão, Marte estaria bem próximo à Terra, algo que
acontece a cada 15 anos, mas naquele ano o planeta estaria mais próximo
do que nos últimos 60 000 anos. Decidimos observar o fenômeno, morávamos
no limite da cidade e fomos ao bosque vizinho. Com nosso bebê de três
meses no ‘canguru’, saímos em busca de algo que não conseguíamos ver;
algumas pessoas tiveram a mesma idéia e esbarrávamos em pequenos grupos
que se espalhavam pelos caminhos. O passeio noturno parecia frustrado,
assim como nossa aventura na Suíça; sentamo-nos em um banco e oramos. Me
lembro de agradecermos a Deus, que tinha permitido que tudo
acontecesse, pelos tesouros que a traça e a ferrugem não destroem
recebidos naquela pequena igreja, de confiarmos nosso futuro a Deus e
agradecermos pelo nosso pequeno filho. Ao pegarmos a estrada que saía do
bosque vimos uma grande lua cheia e uma grande estrela, que a princípio
confundimos com um avião: era Marte, tudo mais era silêncio. Meu
coração aquietou-se.
Voltamos para casa, certos de que acima de
qualquer dificuldade ou tribulação está a soberania de Deus e que Ele
permitira todas as coisas, apesar da frustração que sentíamos, Ele
cuidava de nós. Alguns dias depois recebemos a notícia que meu marido só
conseguiria trabalho se a empresa contratante comprovasse que não havia
um trabalhador europeu capaz de preencher a vaga, a crise já chegará à
Europa e a bolha da telefonia explodira, as portas fecharam.
Voltamos
ao Brasil e continuamos a encontrar muitas situações difíceis, lutas,
desemprego, desesperanças, doenças, depressões, injustiças,
incompreensões e pela graça de Deus tempos de esperança, amigos,
desconhecidos que nos ajudaram, família e irmãos da fé. Quinze anos se
passaram, em todo o tempo Deus nos tratou, desbastou arestas, nos
confrontou com ídolos e pecados guardados zelosamente no fundo d'alma,
com medos, e continua a tratar de feridas antigas, quase cicatrizadas,
que teimosamente reabrem. Doeu, dói e todas as vezes que Ele tratar
doerá, porque envolve pecado, rebeldia, negação, frustração, tristeza,
confronto e sofrimento, mas é certo que houve e haverá alívio, cura,
salvação, alegria, paz, fé, amor e esperança, tesouros preciosos
graciosamente dados e a certeza de um fardo, esvaziado de coisas que nos
impedem, mas cheio de histórias, bênçãos, por vezes partilhado com
irmãos, marido, filho, um fardo que fica cada vez mais leve para a vida
eterna.
Hoje nosso filho completa 15 anos, logo Marte estará mais próximo novamente, pretendo mostrá-lo a ele e contar as bênçãos.